quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Marco Civil: conheça os argumentos dos que são contra o projeto

Ao menos para os que torcem pela rápida aprovação do Marco Civil, as cinco horas e meia de debate na Comissão Geral da Câmara na manha desta quarta-feira, 06/11, serviram para deixar o cenário um pouco menos nebuloso. Ao exporem suas divergências e concordâncias com o texto do relator, cada um dos convidados relevou claramente os interesses que defende _ resta saber agora, que manobras usarão para fazer valerem seus pontos de vista.
As discussões mais acaloradas foram protagonizadas pelo líder do PMDB na câmara, deputado Eduardo Cunha, em dois momentos distintos: ao ser citado pelo representante do coletivo Intervozes, Pedro Ekman e ao divergir com o relator, deputado Alessandro Molon (PT/RJ) sobre a venda de pacotes de internet com velocidades diferentes.
Por ter solicitado o debate na Comissão Geral, Eduardo Cunha foi o primeiro deputado a falar. Classificou a versão final do texto do Marco Civil, apresentada ontem pelo relator, como um bom exemplo do “intervencionismo do Estado Brasileiro na infraestrutura”. E que, por isso, vai acabar afastando investidores do país. “Não podemos é passar uma imagem para o mercado externo de que no Brasil o investimento de infraestrutura estrangeiro não terá retorno. Isso num momento em que pretendemos trazer investimento para petróleo, aeroporto, ferrovia”, alertou.
Na opinião de Eduardo Cunha, ao impedir a venda de pacotes com serviços diferenciados de Internet, por volume e por velocidade, e forçar a venda de internet ilimitada, o Marco Civil acabará prejudicando o consumidor brasileiro, porque provocará aumento dos valores pagos pelo provimento de conexão, já que forçará as operadoras a terem que investir em uma infraestrutura capaz de suportar carga máxima. Portanto, “ao exigir que um mesmo serviço seja oferecido a todos os usuários, a internet será comunizada no pico e quem vai pagar a conta é o usuário”.
“Dizer que todos terão o mesmo direito é discurso bonito, mas falacioso. É como se disséssemos que todos terão energia elétrica igual, mesmo que use cinco aparelhos de ar condicionado ou uma lâmpada. Não só o preço pago por quem usa uma lâmpada será injusto, como essa pessoa será estimulada a usar também aparelhos de ar condicionado. Se eu tenho de oferecer infraestrutura igual para todo mundo, eu tenho de oferecer uma estrutura maior”, exemplificou Eduardo Campos, seguindo a lógica que de o serviço de banda larga deveria ser cobrado como os de fornecimento de água, luz e até de telefonia _ quem usa mais paga mais.
“O PMDB é a favor da neutralidade no conteúdo, ou seja, não ter preferência no acesso de conteúdo. Agora, obrigar todo mundo a oferecer o mesmo serviço não tem amparo na realidade. Na energia elétrica, telefonia, todo mundo tem acesso a um serviço diferenciado com preço diferenciado”, disse Eduardo Cunha.
Foi apoiado por Eduardo Levy, executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil).
“Não podemos ter ofertas ilimitadas”, afirmou Levy. “Pelo atual projeto poderemos ter apenas uma oferta única, que inviabilizará a gerência da rede e a oferta de serviço pré-pago de banda larga”, continuou.
Levy garante que, como proposto o Marco Civil vai aumentar os custos ao consumidor. E impedir que os usuários com menos recursos tenham acesso à larga, já que os valores gastos pelo serviço deverão aumentar muito. “Ofertamos hoje a possibilidade de inclusão com ofertas de menos de R$ 1 por dia, sendo que a qualidade já é garantida com padrões mínimos estabelecidos pela Anatel. Isso acabará com o projeto da forma como está hoje”, alertou.
Segundo o executivo, há recursos suficientes no mercado para suprir a demanda de infraestrutura, caso o projeto seja aprovado como está hoje. “Os R$ 25 bilhões aplicados pelo setor hoje não são infinitos. As ofertas são limitadas. A rede não é infinita – quem usa mais deve pagar mais, como é com a água, como é com a luz”, defendeu.
Ambos foram contestados por outros deputados, por convidados da sociedade civil e pelo próprio relator.
Velocidades diferentes
Segundo o deputado Paulo Henrique Lustosa (PP-CE) e o relator do Marco Civil, deputado Alessandro Molon, o texto atual não impede a contratação de pacotes com velocidades diferentes. “Mas não tem nenhum artigo do substitutivo que diga que possa haver velocidade diferenciada. Do jeito que está o projeto, proíbe sim”, rebateu Eduardo Alves. “Se não tem nada, nenhuma referência proibindo, então não é necessário ter nenhuma referência liberando, porque todo legislador sabe que o que não está proibido, está automaticamente liberado”, disse Molon.
Segundo o relotor, “o que o marco civil proíbe é que, dentro do 1 mega ou dos 10 mega que eu pago, o provedor diga como vou usá-los”. “É preconceito contra os pobres estabelecer que eles só vão poder receber ou enviar e-mail, por exemplo”, provocou.
Princípio de neutralidade
Vários deputados e convidados manifestaram-se favoráveis também ao princípio de neutralidade colocado no texto, com raras exceções.
“Enquanto no mundo inteiro tenta-se mudar o jeito que a internet funciona, o marco civil garante que a internet continue como é. Ao tentarem quebrar a neutralidade eles [representantes da operadoras] querem criar uma internet para ricos e outra para pobres. Não pode existir uma internet para ricos e uma internet para pobres”, disse Sergio Amadeu, conselheiro do Comitê Gestor da Internet. Para isso, segundo ele, é preciso manter o princípio da neutralidade de rede no texto.
“Aceitar a quebra da neutralidade é violar princípios de isonomia e de não discriminação previstos na Constituição e na Lei Geral de Telecomunicações”, disse advogada Flávia Lefevre, que é integrante do Conselho Consultivo da Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor.
Usando a mesma analogia do serviço de energia elétrica, Pedro Ekman, do Intervozes, explicou que a neutralidade trata tão somente de garantir que o provedor de serviço não possa definir que tipo de aparelho o consumidor vai conectar à rede, se apenas uma lâmpada ou um ar condicionado. Em outras palavras, quem controla a infraestrutura de internet, tem que ser neutro em relação ao conteúdo. “Não pode fazer negócios comerciais com conteúdos e decidir qual conteúdo tem prioridade e qual não tem. Se puderem fazer isso, o consumidor vai ficar à mercê da decisão comercial dessas empresas com outras”, disse.
Demi Getschko, presidente do NIC.br e conselheiro do Comitê Gestor da Internet foi ainda mais didático: “O Marco Civil é um projeto que não tenta consertar nada na Internet, mas que tenta prevenir futuras doenças. É uma vacina contra coisas que não estão sendo feitas de mal, mas que podem ser feitas. Não vai impedir nada do que está sendo feito hoje, porque não há nada errado no que está sendo feito hoje”, referindo-se ao modelo de negócio dos provedores de conexão.
“Se você é mensalista de um estacionamento, você paga pela vaga independente se você está usando uma hora por dia, duas horas ou trinta horas. Mas se você estiver usando a zona azul, aí você terá uma tarifação cronometrada, por taxímetro, tempo. São modelos de negócio diferentes, de origens diferentes, mas que têm que ser neutros entre is. Assim como a banda larga fixa e a banda larga móvel. Telefonia celular tem taxímetro. Internet fixa não tem taxímetro, tem banda. São conceitos que convivem perfeitamente bem”, explica Demi. “Mas ao deixar que um deles polua o outro, entramos nessa zona de espectros, de fantasmas, que não nos leva a lugar nenhum”, a não ser continuarmos a discutir isso indefinidamente”.
Portanto, na opinião de Demi, neutralidade “neutralidade não tem nada de oculto, nada de anormal. “Deveríamos ser todos a favor dela”, conclui.
Na opinião de vários deputados e convidados para o debate da Comissão Geral, o princípio de neutralidade de rede deve ser o que provocará mais debates entre os deputados, até à votação, na semana que vem. E o que deve motivar maior número de manobras e emendas.
Eduardo Cunha já avisou que o PMDB vai apresentar em Plenário destaque para que seja votado o projeto original, e não o substitutivo. E que que o PMDB já apresentou emendas e pretende levar o tema à discussão no Plenário. “O PMDB tem a sua posição, e ela será expressa em Plenário. Se vamos ganhar ou perder, é um detalhe do processo”.
Último a falar durante o debate, Molon fez um apelo aos deputados que votem o substitutivo, aprovando a neutralidade, já que nas suas contas, durante a comissão geral, 18 dos 28 convidados manifestaram apoio integral à proposta; 7 tiveram objeções pontuais; e 3 foram contrários à neutralidade da rede tal qual está no relatório. E discutam apenas as divergências pontuais.
“Nossa principal tarefa, na votação do projeto na semana que vem, será separar assunto por assunto”, afirmou Molon. “Não vamos confundir discussões específicas com a discussão sobre os pontos principais da proposta – e o ponto principal é a neutralidade”, completou. Ele disse que conta inclusive com os votos da oposição para aprovar este ponto.
Molon salientou que, além da neutralidade de rede, os outros pilares do marco civil da internet são a liberdade da expressão e a garantia da privacidade do usuário.
Privacidade e guarda de logs
Por várias vezes Molon ouviu críticas ao fato da proposta não obrigar os provedores de serviços na internet (como Google e Facebook) a guardar os registros de acessos a aplicativos.
Na opinião de João Vianey Xavier Filho, representante da Polícia Federal, o dispositivo que prevê que o provedor de internet responsável pela guarda de dados pessoais do usuário e do registro de acesso a aplicações de internet só será obrigado a disponibilizar essas informações mediante ordem judicial pode prejudicar a investigação policial. Parecia desconhecer o texto final, divulgado na noite anterior, que incluiu no artigo 10 o parágrafo terceiro (“O disposto no caput não impede o acesso, pelas autoridades administrativas que detenham competência legal para a sua requisição, aos dados cadastrais que informem qualificação pessoal, filiação e endereço, na forma da lei”).
Hoje, segundo o delegado, a legislação já garante que o delegado e o Ministério Público tenham acesso a dados cadastrais do investigado, mantidos por empresas telefônicas e provedores de internet. “Somos demandados diariamente para investigar condutas ilícitas na internet. Para isso, precisamos ter acesso ao dono da conexão responsável por determinado acesso”, explicou. “É uma demanda simples, que será judicializada se esse texto for aprovado”, completou.
Para o delegado, o acesso da Polícia Federal a esses dados sem necessidade de ordem judicial não afetaria a intimidade, “já que são dados cadastrais simples”.
Já o representante da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal Carlos Eduardo Miguel Sobral criticou o artigo que prevê que os provedores de conexão à internet deverão guardar os logs do usuário (dados de conexão, que incluem endereço IP, data e hora do início e término da conexão) por apenas 1 ano. De acordo com Sobral, acordo com telefônicas, feito em 2008, prevê a guarda de logs por três anos, o que vem sendo cumprindo até hoje. “A redução para um ano pode prejudicar a investigação de crimes”, disse.
O delegado, assim como representante do Instituto Brasileiro de Peritos, Giuliano Giova, também criticaram o fato de o texto não obrigar também os provedores de serviços na internet a guardar os logs de acesso a aplicativos. Para ele, não apenas provedores de conexão, mas também provedores de serviços, como Google e Facebook, deveriam ter essa obrigação.
“Se obrigamos todos os provedores de aplicação a guardarem os registros de acesso a aplicativos, isso facilitaria a investigação criminal, mas geraria peso muito grande para os pequenos provedores de aplicações na rede, como os blogueiros”, rebateu Molon. “No texto, o sigilo é a regra, e a exceção é a guarda de toda a navegação do usuário a partir da ordem judicial”, completou.
Molon ressaltou ainda que outras regras contidas no Marco Vivil também vão fortalecer a privacidade dos internautas brasileiros. Pelo texto, quando os provedores de aplicativos de internet guardarem os registros de navegação dos internautas e seus dados pessoais, deverão deixar isso claro para o usuário. “Hoje a navegação dos brasileiros é gravada, analisada e vendida, e isso passa a ser coibido”, afirmou o relator.
Data centers
Em relação à obrigatoriedade de instalação de datas centers no Brasil, Molon afirmou que o ponto é importante para se mostrar claramente a outras nações e empresas transnacionais que o Brasil é contrário ao monitoramento de dados dos seus usuários. E explicou mais uma vez que a inclusão no Marco Civil, além de atender a um pedido da presidente Dilma Rousseff, foi motivada na provável demora na tramitação do PL de Proteção de Dados Pessoais, ainda não enviado ao Congresso pelo Ministério da Justiça. O prazo estimado para aparovação do PL é de três anos.
De acordo com o texto final do Marco Civil, um decreto do Poder Executivo poderá determinar essa obrigação. Eduardo Cunha afirmou que a sua bancada deverá ser contrária a esse dispositivo. O decreto deverá considerar o porte dos provedores, seu faturamento no Brasil e a amplitude da oferta do serviço ao público brasileiro.
O diretor jurídico da Associação Brasileira das Empresas de Software, Antonio dos Santos, criticou a medida. “Tememos que isso leve que muitos provedores a não disponibilizar serviços a usuários brasileiros”, afirmou. “Os provedores podem não querer criar data centers no Brasil, porque o custo de manter esses bancos de dados no País é muito elevado”, completou.
O deputado João Arruda (PMDB-PR), também. Na opinião de Arruda, ela não resolve o problema da espionagem no Brasil. “A resposta que a presidente está buscando envolve investimentos no Serviço Federal de Processamento de Dados, o Serpro . Os data centers são instalados de acordo com o custo, é uma questão de mercado. Precisamos, isso sim, criar um ambiente favorável para essas unidades de processamentos de dados no Brasil, com desonerações”, argumentou, no debate em Plenário.
O representante da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), Nelson Wortsman, também defendeu que o governo brasileiro estimula a instalação dos data centers no Brasil e não obrigue. “Assim, naturalmente o Brasil se tornará atrativo”, acredita.
Molon se mostrou disposto a dialogar a respeito. Esse, com certeza, será outro ponto que receberá emendas durante a votação.
Remoção de conteúdo
A grande surpresa do debate foi o posicionamento da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) em relação ao tratamento dado pela texto final à questão da infração aos direitos autorais e direitos conexos na internet. “O projeto é oportuno e definidor”, disse, Luis Roberto Antonik, representando a entidade.
De acordo com o texto do substitutivo, os provedores serão obrigados a remover conteúdo apenas por ordem judicial e só serão responsabilizados se não cumprirem essa ordem judicial. Porém, o texto ressalva que esse dispositivo não será aplicado a infrações a direitos autorais e direitos conexos. Nesses casos, valerá o que ficar decidido na reforma da Lei de Direitos Autorais, ainda em fase formulação pelo Poder Executivo. Por enquanto, continua valendo a legislação atual, que é anterior ao surgimento da internet. Pela jurisprudência da Justiça, basta uma notificação extrajudicial para que o conteúdo seja retirado pelo provedor.
A advogada de Direitos Autorais representante do Fórum do Livro e da Literatura, Mariana Boffino, também defendeu que a infração aos direitos autorais na internet seja tratada em legislação específica. Posição contrária à defendida pelos representantes da Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), Paulo Rosa, e do diretor-geral da Motion Picture Association – América Latina, Ricardo Castanheira.
Rosa acredita que a necessidade de acesso à Justiça nesses casos deve gerar danos aos donos de filmes e músicas, por exemplo. “Em todo o mundo civilizado, a regra é a simples notificação para a retirada”, afirmou. Segundo ele, as empresas associadas à ABPD emitiram, em 2012, cerca de 20 mil notificações aos provedores para remoção de conteúdos. Este ano serão cerca de 30 mil. “Em nenhum desses casos houve reclamação ou contestação. A regra é o atendimento e os abusos são a exceção. A bem da instituição do direito autoral, esse procedimento deve ser mantido”.
Próximos passos
Uma nova reunião para discutir o Marco Civil foi marcada para segunda-feira (11/11), durante um encontro agora, no fim do dia, entre os líderes da base governista e os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, das Relações Institucionais, Ideli Salvatti.
A intenção do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, é votar o Marco Civil no Plenário da Câmara na próxima semana. O projeto tramita em regime de urgência constitucional e tranca a pauta da casa.
Anterior
Proxima

Postador

Postagens Relacionadas

0 comentários:

Os comentários serão moderados antes de publicar! respondo todos, obrigado por comentar.