quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Videogames podem distorcer impressão de tempo, diz psicólogo brasileiro

Poucas pessoas sabem que jogos eletrônicos possuem enorme potencial como ferramentas científicas e acadêmicas. É possível, por exemplo, analisar o comportamento de um gamer enquanto joga para monitorar as sensações e mudanças na noção de espaço e tempo. Essas e outras questões fazem parte da pesquisa de Flávio Gerab, de 29 anos, psicólogo formado na Universidade de São Paulo (USP). O especialista foi entrevistado pela coluna Geração Gamer e aproveitou para demonstrar seu experimento. 
O mod de Neverwinter Nights II criado por Flávio Gerab, para analisar comportamento psicológico (Foto: Divulgação)O mod de Neverwinter Nights 2 criado por Flávio Gerab, para analisar comportamento psicológico (Foto: Divulgação)
Videogame como método científico
“O que as pessoas fazem no game também é comportamento humano. E, dessa forma, o jogo pode ser investigado e utilizado para identificar qualquer comportamento humano, guardada a especificidade do ato de jogar”, explica Flávio. A partir dessa premissa simples, o psicólogo decidiu criar um game para testar percepções e impressões humanas, assim como experimentos de laboratório. A ideia surgiu durante seu segundo ano na faculdade de psicologia.
Flávio Gerab achou que precisava criar um jogo para colocar seu projeto para funcionar. “Tive a ideia de investigar a ilusão de tempo, percepção de tempo, experiências boas que parecem durar pouco e experiências chatas que parecem durar muito”, diz o especialista. Ele começou fazendo um jogo em um software que permitia combinar um pronome com um verbo e um complemento, como um game educativo escolar, ainda na graduação. “A sensação que eu tive com aquele experimento é que aquilo era maçante, queria algo diferente”, completou.
No começo do mestrado, também na USP, Flávio tentou usar o RPG Maker, uma plataforma com gráficos simples que permite criar um game completo. “O programa satisfez minhas necessidades de pesquisa, e eu apresentei esse jogo no Simpósio de Controle Aversivo (SICA) da USP. Graças ao RPG Maker, minha orientadora decidiu sugerir o uso da engine doNeverwinter Nights 2. Ela incorporava uma série de recursos facilmente programáveis, além de multiplayer para outros experimentos”, disse o pesquisador.
O uso do programa RPG Maker marcou o início do mestrado de Flávio (Foto: Divulgação)O uso do programa RPG Maker marcou o início do mestrado de Flávio (Foto: Divulgação)
A orientadora do psicólogo é a professora doutora Maria Helena Leite Hunziker, coordenadora do Laboratório de Análise Biocomportamental da universidade (LABC – USP).
Atualmente, a pesquisa está terminando a primeira fase, com jogadores experimentando uma modificação de Neverwinter e colaborando com informações para o relatório de Flávio. O jogador percorre um labirinto e fornece suas impressões de tempo durante o jogo. Geralmente a noção do gamer diverge do tempo que realmente passou durante a experiência. O game funciona em um labirinto onde o personagem do jogador deve passar sem se perder. Parece um experimento do rato com ratoeiras em laboratórios, mas reproduzido dentro de um jogo eletrônico. 
Neverwinter Nights II é um game que permite muitas customizações, sendo maleável para pesquisas acadêmicas e científicas (Foto: Divulgação)Neverwinter Nights 2 é um game que permite muitas customizações, sendo maleável para pesquisas acadêmicas e científicas (Foto: Divulgação)

“Originalmente eu tinha imaginado tarefas mais similares aos jogos reais, como derrotar inimigos, desarmar armadilhas e encontrar tesouros. Embora essas tarefas sejam pertinentes dentro de uma lógica comportamental e experimental, elas são muito diferentes das tarefas que já são utilizadas em experimentos por psicólogos do comportamento. Eu simplifiquei ainda mais a minha tarefa, para que ela fosse mais próxima do método da comunidade científica. É um puzzle, de labirinto, com escolhas de esquerda ou direita, ganhando pontos, perdendo ou simplesmente andando no labirinto”, explicou, didaticamente, Flávio. 
Flávio Gerab, psicólogo pesquisador na área de comportamento e games (Foto: Djclub Bar/Divulgação)Flávio Gerab, psicólogo pesquisador na área de comportamento e games (Foto: Djclub Bar/Divulgação)

Um caso de RPG que gerou estudos em psicologia
Além de seus experimentos, Flávio Gerab se inspirou em um caso real de World of Warcraftque gerou comportamentos analisáveis do ponto de vista científico. Fã de Final Fantasy VII por sua história cheia de reviravoltas, o psicólogo se inspira em RPGs para realizar sua própria pesquisa.
“Aconteceu um evento no World of Warcraft chamado Corrupted Blood Incident, no qual dados coletados no game puderam ser usados para investigar modelos epidemológicos em ciência médica, no estudo de doenças. Os designers de games criaram um inimigo em um dungeon de alto nível que jogava uma maldição em um dos players, perdendo pontos de vida de forma constante. Pra evitar a morte, muitos players se teletransportavam para fora do labirinto, mas a maldição era contagiosa. Eles começaram a contaminar as pessoas das cidades do game, não intencionalmente. Vendo isso, eu achei que podia ser interessante usar o meu experimento em cenários multiplayer. Fazendo isso, eu acho que estou abrindo as portas para que mais testes sejam feitos dessa forma, cientificamente”, diz o psicólogo.
Corrupted Blood Incident foi um evento que inspirou Flávio em sua pesquisa (Foto: Divulgação)Corrupted Blood Incident foi um evento que inspirou Flávio em sua pesquisa (Foto: Divulgação)
Flávio também menciona jogos que foram criados para fins terapêuticos, como Sparx. Criado pela pesquisadora neozelandesa Sally Mary, o game coloca o protagonista para enfrentar monstros que causam sintomas de depressão, funcionando tanto como educação como suporte para um tratamento psicológico. “O problema é que muitos desses jogos ainda funcionam em formatos comerciais, que não foram criados para pesquisa e sem limitações que facilitam a apuração de dados”, disse o especialista.
Como funciona um experimento psicológico em Neverwinter Nights 2?
Eu, Pedro Zambarda, participei da pesquisa de Flávio Gerab e ele permitiu que eu expusesse minhas impressões aqui. Fui colocado para jogar o Neverwinter Nights 2 com um personagem customizado em um cenário com labirintos, com a opção de escolher portas à esquerda ou à direita. Durante o jogo, pude ver o restante do labirinto atrás de uma das portas assim que ficava diante da bifurcação. Escolhia o caminho mais claro, marcando pontos.
Ao chegar diante do personagem do rei, o jogo era encerrado e eu respondi um questionário proposto por Flávio. Dei minhas impressões sobre o game e respondi a pergunta fundamental da pesquisa: Em quanto tempo você finalizou o jogo?
Ele me deu 40 minutos para realizar a tarefa. Eu tive a impressão, sincera, que tinha levado cerca de 35 minutos para finalizar o game, dado que eu não costumo ser um jogador rápido. Flávio Gerab acionou um cronômetro no jogo e outro em seu relógio.
Eu tinha finalizado o game em cinco minutos, e não nos 35 minutos que informei no relatório. Provavelmente minha impressão estava distorcida porque eu não conhecia o jogo e por conta da imposição do tempo, que passa a sensação de perda constante de timming durante seu desenvolvimento.
Flávio Gerab não divulgou os dados finais de sua pesquisa, com todos os jogadores que passaram pelo experimento. A pesquisa deve ser divulgada no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP), durante o segundo semestre de 2013.
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