quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Ontem e hoje - Tecnologia

No princípio era o caos. Pelo menos é o que afirmam os livros sagrados sobre o universo. Já no que toca ao mundo dos PCs ocorreu justamente o oposto: no princípio era tudo muito simples. Agora é que está chegando o caos com tantos fatores de forma, telefones que não se sabe se são para falar ou computar, netbooks (lembram? Ainda tenho um que muito me serve para dar aulas), tabletes, notebooks, o diabo. E sem falar no que penduramos neles: câmaras de vídeo, escâneres, mesas digitalizadoras, altofalantes de alta fidelidade e grande potência, microfones e mais uma parafernália indescritível de dispositivos externos.
É ou não um princípio de caos?
Já meu primeiro PC, na segunda metade dos anos 80 do século passado, não passava de um gabinete, um teclado e um monitor. Mause ainda não se usava. O monitor era de “fósforo verde” (alguém lembra?), monocromático, com uma capacidade gráfica ridícula (320 x 200 px, se a memória não me trai). E dentro do gabinete, uma placa-mãe com um processador simples de dar pena, uma memória RAM com capacidade de 512 KB (quilobytes, por extenso, para não quedar dúvida), um barramento de menos de 5 KHz e meia dúzia de conectores para placas controladoras de dispositivos de entrada/saída (“slots”), a maior parte deles vazios.
O meu, que luxo, tinha um importante item opcional: um acionador (”drive”) de discos flexíveis de 5,25 polegadas. Mas isto, como eu disse, era opcional: o dispositivo padrão de armazenamento de massa do PC original era a fita magnética, essas fitas tipo “cassete” que se usavam para música até recentemente, e seu dispositivo de leitura/gravação era um gravador de fitas – ou “toca fitas” – conectado a uma porta do PC. E, por causa do acionador de discos, o PC tinha uma placa controladora multi-IO capaz de controlar, além do acionador de discos flexíveis, um futuro disco magnético, adquirido um ano mais tarde, e uma impressora matricial. Não sabe o que é isso? Pois são aquelas impressoras que imprimem caracteres compostos por pontos que ainda se vê, embora raramente, em uma ou outro local que imprime cópias a carbono e que, se hoje são desprezadas, na época eram o máximo de sofisticação, pois indicavam que o documento foi “impresso por computador”, o que era raro e chique.
Mais nada.
Aumentar a capacidade de memória era um investimento cujos prós e contra tinham que ser cuidadosamente sopesados. Do lado “pro”, havia o aumento da rapidez e a capacidade de criar documentos mais extensos. Do lado “contra” havia o bolso: memória RAM era cara como o diabo e aumentar de 512 KB para 640 KB, como era usual (o DOS não usava mais dos que os primeiros 640 KB do espaço de endereçamento e o PC não “enxergava” mais de 1 MB), custava uma grana preta. Mesmo levando em conta que a memória era do tipo DRAM (RAM Dinâmica, que necessitava de um ciclo de “refresh” para não perder os dados, o que desacelerava ainda mais o desempenho da máquina).
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Foto: Figura 1 “Banco” de memória do PC originalFigura 1, "Banco de memória" do PC original
(Foto: Reprodução)
O que se vê na figura 1 são os “bancos de memória” do PC original. Cada um destes circuitos integrados (“chips”) pode armazenar 16 KB, o que faz com que cada bando (uma linha vertical, na foto) armazene 128 KB. Com isto o total dos bancos armazenavam 512 KB, o máximo de RAM que vinha por padrão na placa-mãe (a expansão da capacidade da memória era feita encaixando placas nos mesmos “slots” usados para as placas controladoras de dispositivos de entrada/saída). E se você contou os CIs de um banco e encontrou nove e não oito como esperava (8 x 16 = 256) é porque, como naquela época a memória era cara mas não era confiável, apelava-se para um tipo de controle de erro denominado “bit de paridade” que exigia um bit adicional em cada byte de dados.
Incidentalmente: não lembro dos preços exatos, mas se bem me recordo, o preço de um destes “bancos” de 128 KB equivalia aproximadamente ao custo atual de um módulo da moderna memória SDRAM de 4 GB.
GPC20130822_2Figura 2, unidade central de processamento Intel 8086 (Foto: Reprodução)
O processador, como eu disse, era de uma simplicidade quase franciscana. O PC original usava o Intel 8088, derivado do 8086 (os processadores eram idênticos, com exceção da largura do barramento de dados, 8 linhas no 8088, dezesseis no 8086). A Figura 1 mostra um deles, em toda sua glória e esplendor, repousando em uma placa-mãe de PC, onde seus terminais eram soldados. Em caso de necessidade de substituição havia que se derreter a solda terminal a terminal e soldar novamente os do novo chip, Mas eram apenas 40 terminais, vinte de cada lado, Imaginou fazer isso com os 1.156 contatos de um Intel Core i7?
O bichinho era lerdo e meio estúpido. Só sabia fazer uma coisa de cada vez, e ainda por cima bem devagar. Estava rodando um programa e queria rodar outro? Ora, grave o arquivo no qual está trabalhando, saia do programa, carregue o outro e abra o novo arquivo. Quem trabalha hoje com os novos processadores multinucleares e multitarefa pode até pensar que estou mentindo. Mas juro que era a mais pura verdade.
Também, vejam vocês: o 8086 operava com uma frequência de 4,77 MHz. Um novo Core i7  4770R de quatro núcleos, opera a 3,2 GHz. Ou seja: no mesmo período usado pelo 8088 para executar um ciclo de máquina, os quatro núcleos do i7 4770R executam quase dois milhões e setecentos mil ciclos. Isso sem mencionar que o pobre 8088 só sabia executar uma instrução quando a anterior estivesse pronta e acabada, enquanto o i7, além dos núcleos múltiplos, usa a arquitetura em “linha de montagem” (“pipeline”) que permite executar mais de uma instrução ao mesmo tempo, cada uma em uma seção interna do processador. Comparar é covardia, eu sei. Mas foi essa a evolução.
E os dispositivos de armazenamento de massa?
Bem, deixando de lado as fitas e os discos flexíveis, o melhor que havia na década de oitenta do século passado eram os discos rígidos.
GPC20130822_3Foto 3, discos magnéticos (Foto: Reprodução)
Acontece que, naqueles dias, discos rígidos eram novidade. E uma novidade cara. Além de serem um trambolho, uma coisa grande e pesada. Na Figura 1 aparece um disco magnético muito semelhante ao primeiro que, orgulhosamente, instalei em meu PC, um Seagate de 5,25 polegadas e altura dupla. Avaliem seu tamanho comparando-o com disco magnético de 2,5 polegadas (estes que comumente usamos em nossos computadores de mesa) a seu lado.
E isto sem falar na capacidade. Enquanto hoje se encontram com facilidade discos de 2,5” de dois ou três TB (Terabytes), em meu Seagate de 5,25”, o de maior capacidade disponível quando o comprei, se espremiam 40 MB. Um aumento de 40 MB para 3 TB que, arredondado, corresponde a 750 mil vezes. Já no que toca ao preço, enquanto hoje se encontram discos magnéticos na Amazon (EUA) de 3 TB por menos de US$ 130, meu Seagate de 40 MB (também adquirido no exterior) me custou US$ 600. Redução do custo por MB? Cerca de 350 milhões de vezes (faça as contas).
Pois bem: não bastasse tudo isto, agora começam a surgir algumas novidades revolucionárias.
As memórias tipo “flash” não são propriamente uma novidade. Discos de memória (“pen drives”) andam por aí já há pouco mais de uma década.
Mas o que aconteceu com elas nesta década foi espantoso.
As memórias “flash” apareceram originalmente no ano 2000 em discos de memória de 8 MB (isso, megabytes; mas isto era mais de cinco vezes a capacidade de armazenamento de um disco flexível de 3,5”, o dispositivo de memória móvel comumente usado na época). Depois, a capacidade destes pequenos dispositivos cresceu quase desmesuradamente: hoje, discos de memória de 64 GB são relativamente comuns, havendo modelos de 256 GB. Um crescimento de mais de trinta mil vezes em pouco mais de dez anos.
Mas não é só isso. Logo eles deram origem aos chamados SSD (Solid State Disk, ou disco de estado sólido, que como já veremos, de discos nada têm).
GPC20130822_4Figura 4: "Disco"SSD 840 EVO da Samsung (Foto: Reprodução)
Um SSD, simplificadamente, é um dispositivo baseado em memória tipo “flash” usado internamente como dispositivo de armazenamento de massa em substituição aos discos magnéticos. A figura 4 mostra um bichinho destes com 1 TB de capacidade, algo inacreditável há dois ou três anos atrás (e que, como se vê, nem de longe lembra qualquer coisa que possa ser chamada de “disco”).
A Samsung, um dos grandes fabricantes de discos magnéticos, simplesmente os abandonou e passou a fabricar exclusivamente discos SSD. Um claro sinal de que estes dispositivos tornaram-se tão importantes e tão atraentes do ponto de vista técnico e econômico (levando em conta a relação custo/benefício, naturalmente; individualmente, são bem mais caros que os discos magnéticos de mesma capacidade) que, dentro de algum tempo – e não muito – substituirão os discos magnéticos, que deverão ser usados apenas para cópias de segurança e um ou outro “serviço pesado” que necessite de capacidades de armazenamento extremamente grandes.
Mas para chegar a este ponto, foi preciso, primeiro, aumentar tremendamente a confiabilidade e durabilidade das memórias “flash” (que têm, inerentemente, um limite no número de vezes que uma célula pode ser regravada), criar um novo padrão de conexão a barramento e transmissão de dados (o SATAe, ou SATA Express, uma conexão para dispositivos padrão SATA em barramentos PCI Express), e até mesmo um tipo de célula de memória capaz de armazenar mais de um bit (pobre de mim, que passei décadas afirmando aos meus alunos que “em uma célula de memória só se pode armazenar um bit”), as chamadas MLC NAND Flash (Multi Level Cell NAND; NAND é o tipo de memória “flash” comumente usado nos SSD).
Em suma, é tanta coisa nova que ficamos meio perdidos.
Pois bem: quanto aos microprocessadores e às memórias RAM as coisas foram acontecendo de forma relativamente organizada, passo a passo, e não foi muito difícil acompanhar. Mas no que toca às memórias “flash”, sua evolução, seu uso nos SSD e, sobretudo, a revolução que tudo isto está causando no campo dos dispositivos de armazenamento de massa, as mudanças têm sido tão turbulentas e ocorrido com tal rapidez que, confesso, por vezes me sinto confuso neste emaranhado de siglas, novas tecnologias e dispositivos.
Pois bem: para tentar pôr as coisas em ordem e procurar destrinchar os novos tipos de SSD e as diferenças entre eles, vamos começar uma série de colunas sobre o assunto.
Quem gosta de colunas como a da semana passada, mais no campo do entretenimento do que da tecnologia, vai achar meio chato (mas ainda assim, sugiro acompanhar; serão conhecimentos valiosos na hora de adquirir um novo dispositivo de armazenamento de massa).
Mas quem gosta de tecnologia, penso eu, vai apreciar muito.
E, afinal, estas colunas em princípio deveriam ser sobre hardware.
Pois vamos a ele. A partir da semana que vem, é claro.
B. Piropo
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