Vou começar com um pedido de desculpas aos diletos e preclaros leitores que acompanham esta coluna com regularidade. Ninguém melhor que eu, colunista de informática há mais de duas décadas, sabe da importância de manter em dia a periodicidade de colunas. Ler colunas é uma questão de hábito. Os que leem e, porventura, não gostam de seu teor ou do estilo do colunista, deixam a coluna de lado e vão procurar coisa melhor para fazer. Mas sempre há aqueles que gostam. E, no caso de colunas semanais, voltam a lê-la na semana seguinte e assim continuam até cansarem (e só então procuram coisa melhor para fazer). A estes, passar uma semana sem publicar a coluna é fazer-lhes uma desfeita. E semana passada não teve coluna…
É que na véspera da data de publicação eu chegava dos EUA onde fui cobrir um evento interessante que ainda pretendo abordar aqui. Deveria desembarcar no Rio pela manhã bem cedo e cumprir uma série de obrigações, dentre as quais escrever a coluna de quinta-feira passada. Mas os fados não quiseram assim. O aeroporto Tom Jobim fechou devido a uma forte neblina e o avião foi desviado para São Paulo, onde fiquei aguardando toda a manhã até que a neblina dissipasse. Cheguei, enfim, ao Rio no final da manhã e entre passagem pelas autoridades de imigração, espera da bagagem, desembaraço da alfândega e viagem de volta à casa foi-se quase toda a tarde. E o tempo de editar a coluna.
Por isto o pedido de desculpas. Não foi desfeita, foi uma mistura de imprevistos, acúmulo de afazeres e cansaço deste vosso velho amigo. Que tentará evitar que isto volte a acontecer.
Agora, ao que interessa: quem vinha acompanhando a coluna sabe que o grafeno, visto na Figura 1 através de um microscópio eletrônico, é uma substância muito especial. Além de ser o único material bidimensional conhecido, é o mais forte que existe, o melhor condutor de eletricidade e o melhor condutor térmico. Então deve ter um bocado de aplicações práticas. O que leva imediatamente à pergunta: para que é usado o grafeno?
A resposta mais simples e direta é: para nada.
Estranhou? Pois é verdade. O material mais forte, mais rígido, melhor condutor de calor e eletricidade, mais impermeável (sim, esta qualidade eu esqueci de mencionar antes) não é utilizado para coisa alguma? Não tem sequer uma aplicação prática?
Por estranho que pareça, é verdade. Pelo menos por enquanto.
Tanto assim que John Myers, principal executivo da Graphene Technologies, uma empresa tão pioneira que desenvolveu uma técnica para sintetizar grafeno a partir do gás carbônico que possibilita produzir grafeno usando o ar atmosférico como matéria prima, no congresso técnico científico “Printed Electronics Europe 2013” realizado em Berlin em abril do corrente ano, declarou textualmente (em tradução livre deste que vos escreve): “Estou cético no que toca ao mercado no qual estamos. Há muito entusiasmo, mas também um bocado de confusão. O problema é que não há um mercado de tamanho significativo para o grafeno. Nós prestamos um desserviço a nós mesmos assumindo uma postura desarticulada e autocongratulatória. O fato é que ainda não existe uma aplicação matadora e não há razão para pensar que haverá exceto pelo fato de que muito esforço e dinheiro está sendo aplicado e o material aparenta ter muito potencial” [desculpem, caros leitores, pela “aplicação matadora”; no original consta “killer application” e eu não consegui tradução melhor; esta que adotei é citada pelo respeitabilíssimo Ethevaldo Siqueira em artigo no Economia & Negócios e, na falta de melhor, eu a adotei embora, confesso, com alguma relutância].
E qual seria a razão deste aparente paradoxo?
Falta de aplicações em potencial não há de ser. Mas cada uma delas apresenta um obstáculo que a impede de ser usada na prática (pelo menos por enquanto; afinal, o grafeno ainda é uma coisa nova, foi produzido pela primeira vez há menos de dez anos).
Por exemplo: em princípio o grafeno pode substituir o silício, o que ensejaria a produção de transistores muito menores do que os que hoje já são microscópicos. Mas falta ao grafeno um valor intrínseco para sua “band gap” (difícil explicar aqui; mas quem estiver interessado pode consultar o tópico correspondente da Wikipedia em inglês). Na prática isto significa que um transistor de grafeno puro não pode ser “desligado”. E como nos circuitos digitais os transistores são usados primordialmente como chaveadores de corrente (simplificadamente: uma espécie de interruptor eletrônico), não há como fabricar transistores de grafeno. É claro que há pesquisas procurando descobrir uma forma de contornar o problema através da agregação de determinadas impurezas (“dopagem”) ao grafeno, mas por enquanto o tema permanece no terreno das pesquisas. Aplicação prática, que é bom, por enquanto nada.
Outro ponto: grafeno é transparente (afinal, como sabemos, um material bidimensional não tem espessura mensurável) e bom condutor de eletricidade. O que imediatamente leva a cogitar seu uso em telas sensíveis ao toque em substituição ao óxido de índio-estanho atualmente nelas empregado. O problema é que até o momento este último material tem se mostrado quase tão eficiente quanto o grafeno viria a ser, sua tecnologia de fabricação e montagem já está bem estabelecida e não há vantagem prática em efetuar a substituição pelo menos no estágio atual de desenvolvimento da tecnologia do grafeno.
E assim vai. Para cada aplicação possível do grafeno, existe outro material que faz essencialmente a mesma coisa, já tem tecnologia bem conhecida e custo significativamente menor.
Além disso, como oportunamente lembrou um leitor, pesquisa recente determinou que o grafeno pode representar sérios riscos à saúde humana caso penetre no organismo. Células do pulmão humano, da pele e do sistema imunológico foram colocadas em placas de Petri (aquelas caixinhas redondas de vidro onde se cultivam células e microrganismos) juntamente com grafeno. Como é rígido, duríssimo e praticamente sem espessura, um pequeno pedaço de grafeno com suas bordas dentadas devido à estrutura hexagonal da rede de átomos que o forma, pode perfurar facilmente as membranas das células e nelas penetrarem, o que pode alterar suas funções. O experimento comprovou que pedaços de grafeno de até 10 µ podem penetrar facilmente nas células.
Tudo isto tem feito até agora que o grafeno seja uma maravilha inútil.
Mas há esperanças.
Segundo artigo de David Meyer na Gigaom, “uma equipe internacional de pesquisadores descobriu que o grafeno pode resfriar pontos de acumulação de calor [“hot spots”] em equipamentos eletrônicos, como processadores, o suficiente para fazer uma diferença significativa em sua eficiência energética e vida útil”.
As pesquisas foram levadas a termo na Universidade Chalmers, na Suécia.
Ora, um dos principais obstáculos ao aumento da frequência de operação dos processadores (e, portanto, de sua rapidez de processamento) é justamente a geração de calor devido à potência consumida. A importância da temperatura de operação é tão grande que um aumento de 10 ºC pode representar uma redução de 50% na vida útil do componente.
Pois bem: segundo o Prof. Johan Liu, líder da equipe de pesquisadores, “A temperatura normal de trabalho dos pontos de acúmulo de calor que nós resfriamos com a aplicação de uma camada de grafeno variou na faixa de 55 ºC a 115 ºC. Nós conseguimos reduzi-la até 13 ºC, que não apenas aumenta a eficiência energética como também estende sua vida útil”. Uma redução de temperatura desta ordem de grandeza pode ser de enorme utilidade em “datacenters”, onde a dissipação de calor é um dos grandes problemas a serem enfrentados (um estudo baseado em dados de 2006 concluiu que 50% da energia consumida nestes ambientes é utilizada em sistemas de arrefecimento).
A figura 2, obtida no comunicado à imprensa emitido pela Universidade de Chalmers(mesma fonte da Figura 1), mostra um pequeno circuito eletrônico onde foi aplicada uma camada de grafeno para dissipar o calor.
Ora, considerando-se a importância da dissipação do calor em uma enorme gama de sistemas, como indústria de eletrônica embarcada em veículos (onde um único dispositivo do sistema de ignição pode consumir 80 W continuamente e atingir surtos de até 300 W com duração de 10 ns), computadores, estações base radiotransmissoras e iluminação a LED, quem sabe esta não será a “aplicação matadora” que a indústria do grafeno precisa?
Tomara.
Afinal, um material com características tão peculiares não pode continuar sendo uma inútil curiosidade.
B. Piropo
via Tech Tudo
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